Pedro Chorão
VENTANIAS
Inauguração: 27 outubro, from 18h to 20h
Exposição: 28 outubro a 19 de novembro 2022
Segunda to Sábado 14h30 to 19h00
SÁ DA COSTA GALLERY
Rua Serpa Pinto, 19, 1200-443 Lisbon
Ventanias
por José Sousa Machado
A poeta Yvette Centeno redigiu oito Koans para as pinturas de Pedro Chorão da série “Ventanias”, agora em exposição na galeria Sá da Costa; oito aforismos de inspiração zen budista cujo objectivo consiste em propiciar aos praticantes desta disciplina espiritual alcançarem a “iluminação”.
O propósito destes apontamentos poéticos subtis, não é aportar num qualquer porto definitivo, do mesmo modo que as oito pinturas de Chorão a que se referem circunscrevem no suporte que as delimita materialmente apenas o teor da sua existência individual, revelada no decurso do tempo que as viu nascer e medrar, deixando registado sobre a tela a vibração dessa experiência sensível; a pincelada irrequieta e tensa derramada em espasmos contidos, ecoando no espaço em tonalidades surdas, ora revelando, ora ocultando a multiplicidade de matizes sobrepostos… indagações, acasos, memórias.
Nem mesmo os esboços de formas flamejantes que serpenteiam verticalmente sobre o magma latejante à superfície das pinturas revelam qualquer intenção de se cristalizarem em estruturas reconhecíveis ou referenciáveis. A sua potência é antes a de uma energia viva, plena “que desencadeia por uma série de movimentos contemplativos a determinação de todas as formas… a indistinção sem limites” (Maria Filomena Molder, “O pensamento da forma”).
Tal como os koans budistas são instrumentos usados para romper com os paradoxos e aparências que os sentidos nos devolvem do real, privilegiando, pelo contrário, o trabalho meditativo continuado para a apreensão correcta da realidade imanente, também a pintura de Pedro Chorão sempre manifestou uma vocação unitiva, utilizando uma metodologia de trabalho apofática, manifesta no despojamento de meios e materiais utilizados e na simplificação extrema da composição.
Por vezes ficamos até com a sensação de que o pintor, ao longo da sua longa e muito produtiva carreira artística, pintou sempre o mesmo quadro, ou dito por outras palavras, esteve sempre, em cada nova pintura, a regressar ao início, a colocar-se perante as mesmas interrogações, sem atribuir uma importância decisiva ao lastro de conhecimento entretanto acumulado por anos e anos de trabalho intenso… tal como o koan que nos catapulta para a iluminação ao confundir nossas mentes com ideias impossíveis:
1
Uma abelha na flôr:
Busca o mel ou a côr?
2
O ramo que se quebra
Sob o vento mais forte
3
Um tronco despido
Dá lenha a outra vida
4
No Outono chuvoso
O brilho da aurora
5
No preto e branco
O suave sopro da forma
6
Não se mata o Pato Selvagem
Ele voa com a nossa alma
7
Um ramo:
um braço que se inclina
buscando o seu abraço
8
Mulher:
um corpo despedaçado”
“8 Koans” por Yvette Centeno (sobre Ventanias de Pedro Chorão)
Mas se o despojamento e a simplicidade plástica, tanto na forma como na cor, são uma característica sempre presente nas pinturas de Pedro Chorão, o artista não deixa, por isso, de reclamar a “necessidade absoluta de referências concretas”, porque o mundo das formas puras é por ele concebido à imagem do mundo das formas sensíveis, despojando estas das suas variações acidentais. Esta necessidade de enraizamento na realidade concreta aproxima Pedro Chorão da perspectiva que Mondrian exprimiu em “Natural reality and abstract reality” (1919-1920), quando imaginou uma conversa entre um pintor naturalista (X), um leigo (Y) e um pintor realista abstracto (Z), numa noite enluarada ao ar livre, no campo extenso.
Afirma Z – Quanta paz…
Y – Então a natureza ainda te toca?
Z – Se não me tocasse, eu não seria pintor.
Y – Como já não desenhas a natureza há muito tempo, pensava que ela não significava nada para ti.
Z – Pelo contrário. A natureza toca-me profundamente. Apenas pinto-a de maneira diferente.
Pedro Chorão
Nasceu Nasceu em Coimbra, em 1945. Entre 1963 e 1967 viveu em Liverpool, onde começou a interessar-se por pintura. Frequentou o curso de História da Arte na École du Louvre e a na École Pratique de Hautes Études, Sorbonne, Paris (1967-1968). Entre 1968 e 1972 fez o serviço militar obrigatório, passando dois anos em Cabo Verde. A sua paixão pela pintura intensificou-se após o regresso a Lisboa, procurando colher lições de pintores amigos do pai, nomeadamente Luís Dourdil e António Dacosta. Licenciou-se em Pintura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa em 1976. Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris (1976-1978) e em Lisboa (1987-1989).
O seu percurso artístico desenvolver-se-ia com grande regularidade ao longo dos anos, com a participação em inúmeras exposições coletivas e uma longa lista de exposições individuais em galerias e espaços institucionais, em Portugal e no estrangeiro, onde se destacam as duas exposições complementares comissariados por José Luís Porfírio, em 2016, onde foi apresentada uma seleção de obras dos seus mais de quarenta anos de carreira: no Torreão Nascente da Cordoaria (EGEAC, Galerias Municipais, Câmara Municipal de Lisboa) e na Fundação Carmona e Costa, Espaço de Arte Contemporânea, Lisboa. Dessa iniciativa resultou a publicação de um extenso e meticuloso catálogo, Pedro Chorão: o que diz a pintura – obra 1971-2016, que permite uma visão abrangente do seu percurso artístico.
Herdeira de uma multiplicidade de referências, a pintura de Pedro Chorão localiza-se na fronteira entre abstração e figuração. “À data da sua primeira exposição individual, com trinta anos, o artista tinha já um discurso plástico bem estruturado numa apologia de elementaridades expressivas, desenvolvida com grande coerência […]: a preferência por materiais pobres, pela austeridade dos gestos de registo e mesmo pela escolha dos elementos visuais capazes de dar visibilidade ao núcleo central da sua poética – a evocação abstrata do espaço através das geometrias dos planos da pintura, das profundidades das manchas de cor e das atmosferas da luz. Um olhar retrospetivo revela-nos uma estrutura longamente sedimentada”.[*]
O seu processo de trabalho “desenvolve-se em ciclos temáticos, não tanto por incidências iconográficas mas por exploração de temas plásticos que obviamente conduzem a diferentes estruturas de sentido. De modo simples, mas com máxima capacidade expressiva, os planos sugerem aproximações e distâncias, lugares de dentro e fora, terra e ar, referências que potenciam uma infinidade de situações vivenciadas mas que não se prendem a nenhuma descrição”.